12 janeiro 2010

postal da resistência

(foto daqui)



Como as coisas são: Emil Nolde, um dos mais importantes pintores do expressionismo alemão, defensor da superioridade da "arte alemã", simpatizante do nazismo e com tendências anti-semitas, nem queria acreditar quando viu quadros seus com lugar de relevo na célebre exposição "Arte Degenerada", em 1937. As suas obras (milhares!) foram retiradas dos museus alemães. Alguns dos quadros "degenerados" (não apenas de Nolde, mas também de uma longa lista de autores que incluía Otto Dix, Kokoschka, Paul Klee, Franz Mark, Käthe Kollwitz, Paula Modersohn-Becker, etc.) foram vendidos no estrangeiro, outros foram parar às colecções particulares de Goebbels e Göring (e de novo: como as coisas são...), Hitler aproveitou para trocar alguns deles por obras de "melhor arte", a dos autores antigos.

Em Berlim, no dia 20 de Março de 1939, foram queimadas numa fogueira contra a "decadência da arte" quase cinco mil obras de artistas variados, entre as quais várias centenas de Nolde.

Em 1941, numa fase de grande ímpeto criador, foi-lhe imposta a proibição de pintar, o que o levou a refugiar-se em Seebüll, a sua casa-atelier, onde continuou a pintar em segredo, fazendo mais de 1300 aguarelas sobre papel japonês. Pinturas a óleo estavam fora de causa, porque podia ser traído pelo cheiro intenso das tintas. A esse conjunto de aguarelas deu o nome de "quadros não pintados"

- como dizer "ungemalte Bilder", "unpainted paintings", em português? qual a palavra certa para os dois significados: por um lado, os quadros que ele gostaria de ter podido realizar a partir dos motivos das aguarelas, por outro a condição de clandestinidade, de inexistente, de "não pintada" daquela colecção? -

e depois da guerra passou algumas das imagens para óleo.
A exposição que está agora em Berlim (até 17 de Janeiro) apresenta centenas de "não pintadas" e ainda grandes quadros, a óleo, ao lado das aguarelas de diminuto formato que lhes estão na origem.

A figura escolhida para o cartaz é muito curiosa: mostra um rei - coroa dourada e manto púrpura - e uma figura mais pequena, ligados por evidente cumplicidade e agrado.

Nolde, o pintor que se sentia profundamente incompreendido e injustiçado, escreveu um apontamento sobre esta aguarela, que cito de memória: "se o artista está satisfeito com a sua obra, pode o imperador ou o rei ou quem quer que seja criticá-la, que isso não lhe importará."

E eis como o simpático rei daquela aguarela traduz afinal uma profunda e teimosa resistência interior.

3 comentários:

Paulo disse...

A chatice de viver tão longe de Berlim (como se fosse só uma) é ter perdido a exposição dos quadros impintados.

Helena Araújo disse...

A outra chatice, Paulo, é que daqui a uns dias vão passar a versão original do Metropolis em frente à porta de Brandemburgo. Desconfio que vai ser uma grande festa.

Mas podes ir a Seebüll, tem lá muitos "impintados".

"Impintados": gostei muito!

Paulo disse...

Hei-de ir, hei-de ir...