05 junho 2012

um relato da Palestina

O filho de amigos nossos esteve a trabalhar seis semanas num hospital cristão em Belém, na Palestina. Contou-nos o que ele próprio viu e viveu durante esse curto período:

O fim-de-semana em que queria ir com um vizinho palestiniano a Jericó, para dar um mergulho, e não foram porque havia colonos israelitas que se entretinham a atirar pedras e cocktails Molotov aos carros palestinianos que passavam na estrada.

As passagens nos checkpoints, e o modo cruel como os palestinianos são provocados. Viu como fizeram esperar uma ambulância com uma criança gravemente ferida, como a outros doentes foi negada a passagem para o hospital. Viu o homem que tinha de atravessar essa linha para ir a uma acção de formação, e quando pediu aos soldados se o deixavam passar logo para não chegar atrasado ao curso foi posto a esperar, sem qualquer explicação, sete horas.

Viu Jerusalém dividida em bairros segundo a religião, e pessoas que comunicam cada vez menos umas com as outras.

Viu uma Belém que até há pouco tinha mais de 90% de cristãos, e agora anda por 30%, e tendência para baixar. Porque os cristãos tentam fugir a todo o custo. Comentou que Israel está a serrar o ramo onde está sentado: os cristãos palestinianos, sendo os mais abertos à coexistência, são os primeiros a sair. Sobra uma percentagem cada vez maior de palestinianos em atitude de profundo antagonismo.

Falou da nova pirâmide religiosa que está a surgir em Israel e na Palestina: de um e outro lado, cada vez mais fundamentalistas. Porque os outros desistem, e porque os fundamentalistas (de um lado e do outro) têm muitos mais filhos.
(O que cria também uma situação caricata: há cada vez mais judeus ortodoxos em Israel, que estão dispensados do serviço militar por motivos religiosos. Se a tendência continua, quem vai defender esse país?) (Às tantas, ainda vão recrutar soldados ao lado palestiniano... - isto sou eu a brincar com coisas sérias, claro)

Mostrou fotografias do muro em Belém, tornado tela de arte urbana e atracção turística.

Criticou uma nova proposta de lei, para anular casamentos mistos entre judeus e muçulmanos. ("Anular casamentos mistos" é uma expressão que faz soar todas as campainhas de alarme na Alemanha.)

Foto após foto, mapa após mapa, frase após frase: aumentava em nós a sensação de impotência e injustiça.
Os alemães começam a ousar fazer comparações que eram, até agora, inaceitáveis. Ao ver como Israel trata os palestinianos, traçam paralelos com o modo como os nazis tratavam os judeus a partir de 1933: a interdição de entrar em certos edifícios (os palestinianos não podem usar o aeroporto de Telavive, por exemplo) (*), as agressões de populares sem motivo e sem compaixão, a violência do Estado contra os cidadãos, as leis raciais.

Não ignoro que do lado dos palestinianos não há apenas vítimas inocentes.
De facto, apesar da assimetria de forças e do número de vítimas, há de ambos os lados uma lógica simétrica de ataque ao opositor com o objectivo de o desmoralizar e traumatizar. Os bombistas suicidas não são o resultado de um acto espontâneo de desespero, mas de uma estratégia de guerrilha.

Sabendo tudo isso, a sensação de impotência só aumenta. Se me deixassem mandar...
- desta vez, se me deixassem mandar, não saberia o que fazer para acabar com esta tragédia.


(*) Adenda importante, a partir do comentário de uma leitora:
Os palestinianos israelitas podem usar o aeroporto de Telavive. A proibição de usar determinados edifícios não é uma proibição racial semelhante ao que na Alemanha dos anos 30 se fazia contra os judeus ("proibida a entrada a todos os palestinianos"), pelo que aquela comparação é inadequada.

11 comentários:

Gi disse...

Só um Gandhi poderia pôr fim a essa guerra. Alguém que fosse respeitado e amado pelos dois lados e ameaçasse morrer se eles não parassem.

(As captchas estão cada vez mais chatas, precisas mesmo delas?)

Helena Araújo disse...

Pois é, Gi. Mas onde está essa pessoa?

As captchas são uma seca brutal. Fico mesmo na dúvida se as tiro e fico com 20 mensagens de spam por dia, ou se deixo ficar assim.

Paulo disse...

(Tira as captchas, tira. Por favor. Estive quase a não conseguir acertar com elas.)

Pois. Eu também gostava que te deixassem mandar. Apesar de não teres ainda a solução, havias de arranjar um modo de lhes explicares as coisas de maneira a que eles as percebessem.

sem-se-ver disse...

eu sei, e é bastante simples - palestina livre, acabar com os colonatos em terra estrangeira, impor a Israel medidas para promover o que ela quer para si mesma mas impede a Palestina de ter (liberdade), acabar com as injecções de capital no estado sionista, o pior racismo de todos, acabar com o apoio militar aos falcões israelitas, acabar com a guerra contra as populações civis e inocentes (se Israel parar de ser o que é e de agir como age, o terrorismo árabe pára no preciso momento, e EM TODO O MUNDO), dividir a porra de jerusalem como N tratados já previram, RESPEITAR AS CIDADES SAGRADAS E AS RELIGIÕES ALHEIAS.

super simples, a solução. a sua colocação em prática é que não, dados os interesses geo-economico-politicos na zona. nada mais.

cristina dangerfield-vogt disse...

olá Helena, senti-o na pele "in loco": os palestinianos em Israel são vários grupos. Os palestinianos israelitas (cristãos e muçulmanos) podem sair pelo aeroporto de Telavive. Os palestinianos de Jerusalém depende da identificação que tiverem. Os palestinianos do futuro estado da Palestina, Cisjordânia, ou territórios israelitas - conforme o ponto de vista, vão para o aeroporto de Aman, na Jordânia. Visitei muito a Cisjordânia qdo vivi 3 anos e meio em Telavive - sente-se lá uma claustrofobia infinita pq há sempre um colonato na colina mais próxima que te corta a liberdade do ar! Beijinho
Cristina Dangerfield-Vogt

Helena Araújo disse...

Paulo e Gi, às vossas ordens! Já vou tratar disso.

Sem-se-ver, parece-me que a solução não é tão simples, e não tenho nada a certeza que o terrorismo árabe parava em todo o mundo no momento em que Israel mudasse, ou até se deixasse de existir.

Cristina, estava a escrever este post e a pensar que era giro se aparecesses aqui a dar umas achegas.
Obrigada especialmente por esse comentário que me obriga a reformular a crítica: não é uma lei racial que impede o uso do aeroporto de Telavive aos palestinianos. Ou seja: não se pode traçar, a propósito deste exemplo, um paralelo com o que se fazia aos judeus na Alemanha nos anos 30.

Helena Araújo disse...

Paulo, Gi,
já mudei.
Agora não tem as palavras de verificação, mas em compensação só aceito comentadores registados.
A ver se melhora - e espero que os comentadores "anónimos" (os que se limitam a assinar com o seu nome, sem se registarem) não fiquem com dificuldades tais que parem de participar.

cristina vogt-da silva aka dangerfield-vogt disse...

Helena, penso que tens razão quando comparas a situação na antiga Palestina ao nazismo, pq se não há uma lei racial "strictu sensu", há porém leis discriminatórias contra os palestinianos que lhe são muito semelhantes. O tábu q neste país não se permite quebrar, tem de ser quebrado. Não é possível estabelecer pontes entre culturas sem chamar aos atropelos, ATROPELOS, ou seja não se pode escamotear a verdade pq os autores desses ATROPELOS sofreram muito no passado. Hoje em dia há outros a sofrer. As vítimas de antanho vitimizam outros na hora actual. Claro que nenhum dos actores naquela parte do mundo é santinho de auréola luminosa! Mas nem todos os árabes são terroristas de colete explosivo - aliás aqueles que se decidem pela violência são uma minoria, tal como no resto do mundo. Embora as notícias nos lavem o cérebro com essas imagens de radicalismo, equiparando, por exemplo, o islão à violência. Não se fez isso com o assassino norueguês - um terrorista cristão - não se tomou esse terrorista ocidental cristão como paradigma da nossa civilização judeo-cristã - como por aqui a designam! E mto mais haveria para dizer - desculpa a diatribe...

Helena Araújo disse...

Cristina, obrigada pela "diatribe"!
Penso que neste tema todo o cuidado é pouco. A situação já é suficientemente difícil, e não é preciso carregá-la ainda mais com as palavras-ferrete de uma terrível memória histórica, se o seu uso for pouco exacto. Quanto menor a exactidão do seu uso, maior a injustiça do discurso.

Se todos os palestinianos fossem proibidos de entrar no aeroporto de Telavive, podia fazer a comparação com a proibição de judeus de entrar em determinados edifícios públicos na Alemanha do III Reich. Mas não é assim, pelo que não devo fazer essas comparações.

sem-se-ver disse...

é simples, é, Helena, desculpa a minha insistência. tal como a insistência de que o terrorismo pararia se etc etc. não esqueces, com certeza, que foi esse o motivo da criação da al-qaeda e o invocado pelo bin laden para o ataque aos estados unidos.

o mundo árabe está ferido no seu orgulho, tradição, memória e história, porque tem o seu local sagrado ocupado desde a criação de Israel.

e, isto sim, parece-me igualmente muito simples de entender :)

Helena Araújo disse...

sem-se-ver, tens razão, mas não se limita a isso.
Se fosse tão linear, como explicarias os atentados suicidas no Iraque após a retirada americana? Em que é que matar os próprios irmãos muçulmanos dignifica a causa do mundo árabe?

Falando do que não sei, parece-me que o problema da al Qaeda não é só Israel e Jerusalém, e muito menos os palestinianos.

Mas, como disse, não sei o suficiente sobre isto. O melhor é parar aqui, para não me envergonhar muito.