12 setembro 2012

este é o momento

Continuando o tema do post anterior:

Parece que estamos quase todos de acordo que é preciso salvar o euro. O que é importante agora debater, a nível europeu, são os custos sociais dessa operação e os limites abaixo dos quais nenhum país pode descer. E fazê-lo num diálogo sem preconceitos (especialmente sem preconceitos contra os alemães - tenho a certeza que o povo alemão seria o primeiro a indignar-se e a criticar os sacrifícios impostos aos mais pobres dos portugueses: a descida brutal dos salários mais baixos, o corte dos abonos de família - entre outros exemplos. E sem desconfianças infantis "o que a Alemanha quer é comer-nos as papas na cabeça" - caramba, o que nos faz desconfiar assim à partida do bom-senso e da capacidade de negociação dos nossos governantes? Aaaah, desculpem, não perguntei nada, esqueçam).

Mais ainda: é cada vez mais importante desenhar um modelo de crescimento económico para a União Europeia como um todo, e articular as políticas financeiras e fiscais. Só a união - a verdadeira união - faz a força. Ou isso, ou continuaremos nos nacionalismos e no salve-se quem puder.

Mas voltemos ao Portugal de Setembro de 2012, e a um pormenor fundamental: não foi a Angela Merkel que disse para baixar os salários. A Angela Merkel simplesmente insiste que os países têm de equilibrar as suas contas. Foi o Pedro Passos Coelho que optou por espoliar os pobres em vez de se dar ao trabalho de (vou citar, de um comentário lido noutro blogue) acabar "com as cunhas, as PPP, os Institutos Públicos, as Fundações, as viaturas, os cartões de crédito e mordomias afins, os gestores e consultores pagos a peso de ouro, as despesas desmedidas da Presidência e da Assembleia da República, a fuga aos impostos, a protecção aos mais ricos e aos lobbies instituídos. Prendam quem prevarica e vão ver quantos milhões se poupam por ano. Talvez até dê para não aumentar a taxa da Segurança Social..."

Há que deixar a Angela Merkel em paz. Isto não está para bodes expiatórios - outro sofá do nosso descontentamento. Este é o momento de identificar os verdadeiros responsáveis da miséria e exigir-lhes responsabilidades. O nosso primeiro-ministro que não venha com a desculpa de "foi a mamã que mandou". Ele já é maior e vacinado, e foi a ele que o povo português deu o seu voto: é o primeiro-ministro dos portugueses quem tem de responder pelas decisões que toma. É ao nosso primeiro-ministro que exigimos princípios de equidade, justiça e transparência na escolha das medidas necessárias à recuperação do país, e a competência para desenhar com os parceiros europeus um rumo comum para a União Europeia.

9 comentários:

Rita Maria disse...

Não foi a Merkel que disse, que a gente saiba, mas é verdade que a troika queria reduzir drasticamente os custos com o trabalho. E que reduzir os salários ou despedir pessoas são os caminhos mais evidentes para o fazer.

Helena Araújo disse...

Essa ideia veio da troika, ou foi-lhe sugerida por um consultor português? E não havia em Portugal nenhum economista que explicasse à troika que é complicado reduzir os salários daqueles que já vivem abaixo do limiar de pobreza? E que não é boa ideia actuar ao nível dos custos do trabalho para tornar a nossa economia capaz de competir com a chinesa, porque isso cria uma terrível bolsa de pobreza no interior da Europa?

O que me parece cada vez mais é que a troika tem as costas muito largas...

Rita Maria disse...

A ideia pressupõe o empobrecimento, que entre outras coisas diminui as importações e origina produtos mais baratos exponenciando as exportações, corrigindo portanto um pouco a balança comercial.

Mas claro que houve, desde o princípio, toneladas de pessoas a explicar que empobrecer as pessoas não funciona, que os cálculos do orçamento estavam errados, etc.

E claro que houve portugueses nas negociações com a troika. E que os portugueses votaram neles.

Joana Lopes disse...

Helena,
De acordo com a Rita. Claro que foi (pelo menos também) a troika. É a receita que aplicam, ou tentam aplicar, em toda a parte. Julgo que com a convicção que, assim, conseguem pôr os europeus a competir com chineses e outros que tais. Uns resistem, os nossos governantes curvam-se.
Usando-nos como ratos de laboratório, porque, nesta fase do campeonato, em pleno séc. 21, não se sabe o resultado de tentar empobrecer, à força, países que já foram «ricos» como os europeus. Isto pode acabar muito mal.

Goldfish disse...

Para mim o governo acredita piamente no que está a fazer, com ou sem troika - por isso desde o início quis ir além do que ela exigia. E assim, ao acreditar que eles acham mesmo que este é o melhor caminho, ainda fico mais assustada: é sempre pior um ignorante que um mal-intencionado.

Helena Araújo disse...

Joana,
custa-me a crer que a troika pense que pôr uma parte da Europa a ser competitiva com os chineses é uma boa ideia. O único caminho para a Europa é a convergência.
Ou será que está tudo maluco?

O que me parece é que a troika não teve tempo para avaliar o país. E os partidos que aceitaram o memorando da troika não se lembraram de acautelar questões fundamentais como a defesa das pessoas de menores rendimentos.

Joana Lopes disse...

Helena
Falar da troika ou do governo é indiferente.
Mas há uma palavra que está a ser ouvida, sistematicamente, mesmo da parte de pessoas afectas aos partidos do governo (mas que não fazem dele parte): trata-se de uma opção IDEOLÓGICA (não alinho, de todo, na hipótese de se tratar de incompetência ou de falta de tempo da troika) que está a ser experimentada aqui, o melhor aluno dos intervencionados.

Joana Lopes disse...

Neste preciso momento, estou a ouvir o João Galamba, na AR, dizer isto mesmo (o que eu disse no comentário anterior quanto à experiência laboratorial), em debate com V. Gaspar.

Helena Araújo disse...

Joana,
se falo na falta de tempo da troika é só para deixar claro que eles trabalharam com portugueses. O mal "troika" não é algo 100% exterior a nós.
Não vou dizer que a troika aceitaria todas as condições avançadas por Portugal, mas tenho a certeza que o acordo com a troika foi muito mal negociado pelos portugueses. Começa já no abono de família: nenhum povo do centro da Europa exigiria a Portugal abolir o abono de família.

Quanto à ideologia: sim, claro. Parece que se juntou a fome com a vontade de comer.

O que eu gostava é que os portugueses pedissem contas aos governantes que permitem e alimentam esse estado de coisas, em vez de andarem a dizer que a Merkel é nazi.