12 janeiro 2016

mais notícias frescas da Alemanha

(foto)

Tenho andado a traduzir para este blogue textos publicados em alemão, e sei que há em Portugal muitas pessoas que estão agradecidas por poderem ver um pouco mais do que se passa na Alemanha. Contudo, tenho algumas dúvidas sobre isto, porque dou uma perspectiva instantânea e parcial do que se passa. Obviamente que todas estas questões são muito mais complexas, e que a tradução de meia dúzia de textos não dá uma visão equilibrada do conjunto.
Mesmo correndo o risco de voltar a afunilar o olhar dos leitores deste blogue, traduzo nova peça de jornalismo. Desta vez é do noticiário Tagesthemen, ARD, 11.01.2015. Podem ver aqui.

O que se segue é em parte tradução literal, em parte resumo daquela peça do noticiário (desculpem, mas não tenho tempo para assinalar o que é o quê):

Uma semana depois de termos tomado conhecimento dos ataques a mulheres em Colónia, nota-se uma mudança visível na Alemanha. Ainda não sabemos muito sobre os atacantes, entre os quais havia refugiados, nem sabemos se se tratou de um ataque organizado. Contudo, cresce a preocupação de que os sentimentos de solidariedade para com as pessoas que nos pedem asilo percam a força. Talvez isso se deva à perda de confiança na polícia que se seguiu aos acontecimentos de Colónia. Talvez se deva à sensação de haver no país lugares à margem da lei, como a estação central de Colónia, ou praças noutras cidades. Entretanto já há grupos de cidadãos que entendem que têm o direito de tomar a questão nas suas próprias mãos, e proteger-se de imigrantes potencialmente violentos.

Vídeo, 01:03: Patrulhas no centro de Düsseldorf. Cidadãos preocupados criaram uma espécie de exército de protecção civil. Nas cidades de Nordhein-Westfallen, grupos de pessoas começaram a organizar-se via internet, porque já não confiam na polícia. Querem mostrar-se nas ruas. O organizador do grupo "Düsseldorf está atenta", Tophig Hamid, diz que não se trata só das mulheres, trata-se da segurança de tudo - "tudo o que pode ser atacado, tudo o que vai ser atacado". A imagem da polícia sofreu danos desde a noite da passagem de ano, mas os polícias também têm as suas reservas perante esta iniciativa dos cidadãos. Para mostrar que as pessoas se podem sentir seguras em Colónia, há agora um reforço de mais de cem polícias para a patrulha das ruas. Um responsável da polícia diz que vão ter muitos mais agentes distribuídos pelo maior número possível de locais, para poderem observar e intervir caso necessário, e mostrar aos grupos violentos que não se podem apropriar do Direito. "No entanto", continua a narradora do vídeo, "isso nem sempre se verifica. Na noite passada houve novos ataques em Colónia, desta vez contra estrangeiros, e cometidos por rockers e hooligans. Para a polícia, muito está em jogo. Trata-se de conseguir a confiança da população. E não ajuda muito o facto de Ralf Jäger, o ministro do Interior em Nordrein-Westfallen, empurrar a culpa para a polícia municipal." O ministro afirma que os agentes no local deram tudo por tudo mas não pediram reforços, e critica que tenham dado a impressão de querer esconder alguma coisa, ao contrário do que se aconteceu. A narradora continua: poucos polícias, muitos atacantes. Todos os relatórios da polícia sobre a noite da passagem de ano apontam para esse problema. Pessoas da organização policial revelam que cada agente já acumulou entre 200 e 500 horas extraordinárias. Willi Russ, da União de Funcionários Públicos, fala de uma situação catastrófica, que resulta da política dos últimos anos de "poupar até rebentar", e que é preciso corrigir urgentemente. O ministro federal do Interior prometeu mais 4000 postos só na área da segurança, pois reconheceu que se está perante uma situação limite. Diz ele: "A polícia está sobrecarregada na Federação e nos Estados, pelo que é necessário garantir reforços. Mas note-se que há muitas cidades que não estão na situação de Colónia. Convém não generalizar e dar a entender que por todo o país a polícia está incapaz de responder adequadamente." No entanto, é mesmo isso que pensam as pessoas em Düsseldorf - caso contrário, não andariam a patrulhar as ruas, denominando-se a si próprias "apoio à polícia". Um deles diz que se mostram presentes, nos casos em que não há polícia por perto entram eles em acção, se as coisas piorarem chamam a polícia, e ajudam as vítimas. A partir de agora, querem fazer patrulhas regulares.
(fim deste vídeo)

O ministro do Interior de Nordrhein-Westfallen não é o único que acusa a polícia. Mas não será que uma polícia bem organizada mereceria uma política melhor? Esta exige agora que criminosos que pediram asilo à Alemanha sejam metidos em aviões e enviados o mais depressa possível para o país de origem. Pergunta-se: isso acaso é possível? Novo vídeo, sobre reacções demasiado rápidas a exigir leis e penas mais duras, muitas vezes à margem dos ensinamentos que a experiência já permitiu ganhar.

Vídeo, 04:43: Refugiados em Berlim. Muitos deles vêm de sociedades dominadas pelos homens. Um conceito chave na sua cultura: honra. Qual o seu significado? A organização Heroes tem experiência neste campo. Luta contra a opressão em nome da honra. Ylmaz Atmaca faz sensibilização nas escolas. O conceito de honra é frequentemente muito importante para os filhos dos imigrantes, especialmente quando é o exemplo que recebem em casa. "O rapaz tem de ser permanentemente masculino, forte, não pode desviar o olhar, tem de mostrar músculos, falar com voz grave. Quem não for capaz de se mostrar assim, está em maus lençóis." O narrador prossegue: os Heroes querem resolver os conflitos na escola. Por isso, analisam com os alunos esses esquemas rígidos que eles recebem. Frequentemente leva anos até se conseguirem resultados. Os políticos da coligação governamental não querem esperar tanto tempo. Dizem que as coisas têm de mudar depressa, mas dizem-no de modo vago. Thomas Strobl (CDU/CSU): "Vamos endurecer e ajustar em toda a medida do possível as regras de repatriamento." Os deputados da CDU, sob pressão, falam em evitar registos múltiplos de refugiados, em gravar impressões digitais. São mudanças que estavam há muito planeadas, e agora vão entrar em vigor a toda a velocidade. Um político do CDU/CSU fala em aprovar ainda esta semana a lei relativa à gestão de dados, a que se deve seguir imediatamente a revisão das leis sobre o asilo. No SPD parece haver pouco tempo para falar uns com os outros - as declarações são contraditórias (dão o exemplo de uns dizerem que os refugiados têm de ficar no local onde foram registados, e uma horas depois outro dizer que devem poder movimentar-se livremente para regiões onde haja trabalho para eles). A oposição (Verdes) pede calma no debate, e que em vez de multiplicar sugestões se aplique o que já foi decidido. Narrador: os refugiados, e em particular os que vêm de culturas patriarcais, precisam de indicações claras. Mas, como diz Ylmaz Atmaca, o excesso de propostas provenientes do governo já não o impressionam: "tenho a sensação que a Política, a nossa Política, reage demasiado depressa e com demasiada força. O que dá um sinal de impotência." A organização Heroes quer agora trabalhar também com os refugiados, ajudá-los a entender a Alemanha, esta terra nova e desconhecida para eles.
(fim deste vídeo)

07:47: Que devemos pensar destas exigências de leis mais restritas? Perguntas a um especialista em Direito:
- Se mudarem as leis de asilo, é realmente possível repatriar mais rapidamente os refugiados que tiverem comportamentos criminosos?
- Do ponto de vista jurídico, é possível facilitar as condições para um repatriamento. Aliás, já é permitido o repatriamento com base em crimes com penas muito baixas. Mas há limites para esse repatriamento. Antes de mais, a Alemanha não pode repatriar uma pessoa que corre risco de vida ou de ser torturada no seu país. É uma questão de Direitos Humanos. Nesse caso, as pessoas têm de cumprir aqui a sua pena. Em segundo lugar, muitas vezes há dificuldades de ordem prática, tais como o país de origem recusar-se a passar novo passaporte a uma pessoa sem documentos, recusando-se assim a recebê-la de volta. Problemas destes são muito mais frequentes do que se pensa.    

- Mas, partindo do princípio que isso seria possível, bastaria mudar as leis para conseguir expulsar os atacantes de Colónia?
- Um repatriamento, independentemente da leveza das condições estabelecidas por lei, pressupõe um julgamento e uma condenação. Mesmo antes de se falar em repatriamento, já vejo num caso tão caótico como o de Colónia um problema (que com certeza não agradará às vítimas): é praticamente impossível provar em tribunal que determinada pessoa cometeu determinado delito. Grupos de atacantes, pouca polícia presente: como provar em tribunal quem fez o quê? Além disso, mesmo que se mudem as leis no que respeita às agressões sexuais, isso só terá consequências para o futuro, não pode ser aplicado aos atacantes de Colónia.  

09:49 Comentário sobre as novas regras para expulsão do país, pelo jornalista Reinhard Borgmann, do RBB:

"Agora é que se lembraram de acelerar para fazer leis mais restritas, os políticos da coligação. Os da CDU querem recusar os processos de pedido de asilo aos refugiados delinquentes, nem que tenham sido condenados apenas com pena suspensa. Também Sigmar Gabriel, da SPD, reage a partir da longínqua Cuba, exigindo que os criminosos cumpram a pena no seu país de origem. Sugestões que sugerem uma reacção forte, mas não servem para nada. Pois já hoje em dia é praticamente impossível repatriar refugiados que foram condenados a prisão. A situação nesse país não o permite, ou o país recusa-se a aceitar essa pessoa de volta. No Estado de Berlim, no ano passado, houve 2500 processos de investigação, e apenas 5 repatriamentos. Já seria suficiente se se pudesse pôr em prática as leis actuais. Por exemplo, tratar como delito os incumprimentos da lei relativa à permanência de estrangeiros, não facilitar na identificação das pessoas, identificá-las realmente, aumentar os efectivos policiais na rua. Temos de chamar à responsabilidade todos os que no governo desde há anos vêm fazendo política de poupanças drásticas à custa dos sistemas de segurança e de justiça. Mas também temos de chamar à responsabilidade os media, pois nem todos os repatriamentos são sinónimo de atentado aos Direitos Humanos. A resposta correcta a Colónia não são novas leis para os estrangeiros. Correcto seria focar-se nos deveres elementares do Estado. Como está escrito no artigo 1 da Constituição: "A dignidade humana é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o poder público." Isto é válido para as mulheres de Colónia, do mesmo modo que para os refugiados.

O noticiário passa para o tema seguinte: "Para nos lembrar do que é que os refugiados estão a fugir, basta olhar para a cara destas mulheres que estão há 3 meses sem ligação ao resto do mundo, e não sabem como matar a fome"  (foto de mulheres em Madaya).

Continua - com o mapa da Síria, uma coluna de camiões a chegar a Madaya com comida, medicamentos e cobertores, e a informação que há outras cidades nas mesmas condições, mas cercadas por outras forças.

++

Benditos noticiários alemães! Num momento em que o país é completamente apanhado de surpresa e as reacções são muito acaloradas, o noticiário televisivo informa de forma simples e concisa não apenas sobre o que está a acontecer, mas também sobre o enquadramento legal das soluções apontadas. O Estado de Direito, sempre.
E ainda mostra um exemplo de uma organização que faz um trabalho de muito valor no terreno - o que me dá esperança e segurança.

++

A foto é desta notícia no site Focus, sobre a crítica ao surgimento de grupos de segurança organizados por civis. Mais um artigo muito interessante, sobre os perigos desta nova tendência, os riscos, a sua condição ilegal (o Estado tem o monopólio da força, a polícia é responsável pela segurança pública, ninguém pode fazer justiça pelas suas próprias mãos), os riscos (muitos destes grupos são organizados por elementos da extrema direita). Diz que já há grupos de cidadãos a ajudar a polícia, mas são casos perfeitamente controlados, com formação adequada e trabalhando realmente em colaboração com a polícia.

Também podia contar que ontem houve desacatos graves em Leipzig, com 250 hooligans de extrema direita a deitar fogo a carros, partir montras, atacar polícias. Parece que queriam invadir um território dos "autónomos de esquerda". Batalhas campais destas, com a extrema direita a lutar contra a extrema esquerda para decidir a quem pertence um território (nem que seja um bar), já as conheço desde há mais de 10 anos, quando vivia na Turíngia.

Podia contar isso e muito mais, mas de facto os jornais portugueses deviam era arranjar um correspondente na Alemanha que lhes fizesse este trabalho.
(Ah, já existe?! Então vá: tentem todos fazer o trabalho de informar correctamente.)

Sem comentários: