23 setembro 2016

tudo a correr bem aqui nesta espécie de Evereste


 



No primeiro dia deambulámos sem destino pela cidade. Sem destino, é como quem diz: primeiro desesperadas em busca do pequeno-almoço, depois em busca do supermercado para comprarmos com que fazer o almoço. De caminho procurámos o atendimento Erasmus da universidade, o que não é nada fácil porque o nosso mapa é bidimensional mas a cidade é toda ó pra cima e ó pra baixo. Se nos enganamos numa rua, arriscamo-nos a baixar uns quinhentos metros, e a ter de subir tudo outra vez.

Os italianos são amorosos. Largam o que estão a fazer para nos virem explicar com toda a calma para onde devemos ir. E nós vamos, e damos connosco outra vez quinhentos metros abaixo ou acima de onde devia ser. Perguntamos de novo a alguém que passa na rua, que olha para o nosso mapa com ar de quem nem sabe que cidade será aquela, e depois de alguns momentos de hesitação nos aponta, muito convicto, um rumo. Que é errado, claro, mas nós agradecemos imenso e fazemos de conta que seguimos o seu conselho, até sairmos do seu campo de visão. Depois, já em liberdade, asneamos de novo pelas escadas e ladeiras.

Numa das faculdades vimos uma mulher com um manto a cobrir todo o corpo. Olhei com mais atenção para tentar perceber se seria um manto amigo, ou de uma muçulmana perigosa e subjugada. Afinal era uma budista, pelo que moderei imediatamente o meu olhar invasivo e despudorado com o qual pretendia proteger uma hipotética muçulmana da sua sociedade machista que não lhe tem respeito.

A seguir ao almoço fiquei em casa a dormitar em frente à televisão, tentando aliviar um sarilho de pulmões que trouxe de Portugal e é pouco adequado a estas diferenças de nível na cidade. Enquanto eu descansava, a Christina foi resolver todas as questões da universidade e visitou o apartamento do tal italiano que se anunciava como o mais bonito da praça. Não era, mas em contrapartida o apartamento é uma maravilha: numa casa com mais de duzentos anos, mesmo no centro da cidade antiga, com uma vista fenomenal para as colinas verdes à volta. Ainda nem tinham passado 24 horas de termos chegado aqui, e já a vida corria incrivelmente bem à minha filha. Vai ser um bom semestre.

No meio da minha sonolência abri um olho para a televisão, e descobri que o papa Francisco estava em Assis, que é como quem diz, ao virar da minha esquina. Pensei ir até lá, porque não é todos os dias que se encontram dois Sãos Franciscos na mesma terra, mas como a nossa semana começou de modo tão promissor, achei que há uma probabilidade bastante grande de encontrar o papa por aí, sem ter de ir a correr até à cidade vizinha. Em vez disso, fomos para um terraço ver a paisagem, a luz branca de Assis na encosta, as nuvens poderosas sobre os montes, o pôr-do-sol. Passámos por duas freiras, e olhei-as com desconfiança: que estariam a fazer aqui, em vez de estarem em Assis? Seriam muçulmanas disfarçadas de católicas? (Sim, que não há limites para a astúcia do inimigo quando nos quer confundir!)

No dia seguinte, ao sairmos de casa depois do pequeno-almoço, demos com a praça IV Novembre ainda mais fechada ao trânsito que de costume, e uma magnífica concentração de seguranças e guarda-costas. Era o presidente da República que visitava a cidade. Lá vinha ele, a sair do museu que queríamos ver nesse dia. Acenou timidamente à meia-dúzia de populares que ali estava, mas eu esqueci-me de acenar e aplaudir porque estava muito ocupada a fotografar o estilo dos seguranças para mostrar às amigas que pediram. Não as sabia tão interessadas por moda masculina, mas os seus desejos são ordens para mim.





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