08 março 2017

ainda a propósito de trincheiras, liberdade de expressão e violência - alguns factos e questões

Depois de ter escrito o post "trincheiras - e cancelamento de um evento na Universidade por temer a violência dos alunos", aqui deixo mais algumas informações que consegui apurar sobre o caso, bem como questões que não consegui ainda esclarecer.
Agradeço que corrijam todos os erros factuais que encontrarem, e aviso que este post pode ser objecto de alterações sucessivas à medida que for objecto de crítica e correcção.



Por ordem cronológica:

1. A organização "Nova Portugalidade" propôs à Associação de Estudantes da FCSH que esta última acolhesse, nas suas actividades, um evento sobre os populismos. A Direcção da AEFCSH concordou, pediu a reserva de uma sala da FCSH e colaborou na divulgação do evento.

2. Entretanto a 2 de Março, foi realizada uma RGA à qual faltaram os alunos do grupo "Nova Portugalidade" (e muitos outros). Foi apresentada uma moção para a AE retirar o apoio a esse evento. Na acta lê-se o seguinte:

"A primeira moção (anexo 4) tratava-se de um pedido à assembleia para que fosse cancelado o pedido de reserva de sala feito pelo proto-núcleo Nova Portugalidade. Os proponentes desta moção justificaram-na explicando que os princípios ideológicos da entidade referida eram totalmente contrários ao espírito da Constituição da República Portuguesa, assim como aos mais básicos princípios da democracia. A aluna Patrícia Espiguinha questionou o proponente que apresentava a moção, João Nuno Paulo, sobre o propósito dessa mesma moção, tendo este respondido que o carácter ideológico da mesma ficava expresso na descrição do evento nas redes sociais, onde se podiam ler referências explícitas de louvor ao colonialismo português, assim como de exultação do seu passado imperial. Esclareceu, ainda, que o objetivo desta moção seria aprovar em RGA o cancelamento do pedido de reserva de sala para a realização de tal evento que, na perspetiva dos proponentes, não deveria ter espaço para existir na FCSH. Respondeu o aluno João de Matos, pedindo para que constasse em ata que a RGA era soberana perante todos os restantes órgãos de representatividade estudantil e que, como tal, se a mesma deliberasse no sentido de aprovar tal moção, que a AEFCSH ficaria comprometida a proceder ao cancelamento da reserva da sala; mencionou, ainda, que não achava que fosse o cancelar de reservas de sala pudesse ser um mecanismo eficaz no combate deste tipo de espaços políticos na FCSH. Rita Lucas disse que estas pessoas não deveriam ser toleradas porque não respeitam os mais básicos princípios de respeito e democraticidade, já que os seus ideais políticos são orientados em torno de princípios fascistas. João Nuno Paulo subscreveu este comentário, acrescentando, ainda, que não deve ser concedido qualquer tipo de espaço de ação para estes grupos, pois são bastante perigosos. Pedro Nunes respondeu argumentando que, por serem alunos da FCSH e por ainda não terem desenvolvido qualquer tipo de atividade que comprove o seu carácter não-democrático, deve ser dada uma oportunidade à realização desta atividade. A moção foi levada a votação, tendo sido aprovada com vinte e quatro votos a favor, quatro votos contra e três abstenções, contabilizando um total de trinta e cinco votos. Pedro Nunes pediu que se comunicasse a uma futura RGA eventuais consequências deste processo."

Informação que me falta: essa tal publicidade ao evento nas redes sociais onde se podia ler o louvor ao colonialismo português (a menção ao "trágico equívoco" já foi explicada nesta entrevista:
A Nova Portugalidade é nacionalista, colonialista e considera a descolonização um trágico equívoco?
Claro que não. Como atestará qualquer visita à Nova Portugalidade, o movimento execra toda a forma de colonialismo e censura qualquer ideologia que divida os homens. Não rejeitamos ou lamentamos a globalização: afastamo-nos da globalização da economia para abraçarmos a da cultura, e consideramos que os países de civilização portuguesa - aqueles que connosco se encontraram ao longo da História - formam uma só família humana. Sentimos estar Portugal mais próximo histórica, cultural e sentimentalmente de Timor que de Budapeste, e é a destruição desses laços que vemos como "equívoco".).

Encontrei esta descrição do evento no facebook:
O Brexit, Trump e Le Pen em debate na NP
A paisagem política ocidental parece estar a sofrer uma dramática metamorfose. Alguns previram-na, outros não a querem encarar de frente, recusando-se a pensá-la, mas a evidência indica-nos que está em curso uma mudança histórica tão marcante para o nosso tempo como foram, no passado, as grandes revoluções que moldaram o século XX.
Pretendendo fugir a adjectivações inconsequentes, a Nova Portugalidade oferece à reflexão e à discussão o tema do ascenso dos chamados populismos, solicitando a todos os amigos desta página que ajudem a divulgar esta primeira conferência do nosso programa de actividades para 2017.
A conferência decorrerá no Auditório 2 da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, no dia 7 de Março, entre as 18h30 e as 20h00. Estão todos convidados
.
Na página de facebook da Nova Portugalidade não vi nada que pudesse ser classificado como "ideais políticos orientados em torno de princípios fascistas". Vi uns contributos para a História de Portugal de cariz, digamos, bastante monocromático, mas gostava de perceber como se passa daí para a acusação de fascismo. Aliás, esse é o meu problema maior nesta história: tenho ouvido algumas pessoas falar do perigo da invasão fascista, mas:
- não encontrei factos que provem o carácter perigosamente fascista do grupo Nova Portugalidade ou do orador convidado (sendo que gostar de Salazar, ter uma ideia mítica do império português e defender a reaproximação dos povos que, mal ou bem, têm 500 anos de História comum não chega, em minha opinião, para configurar fascismo)
- chamar fascista a quem expressa essas ideias, e querer impedir essa pessoa de falar, equivale a incompatibilizar-se com uma boa parte do povo português. Esta batalha não se ganha com insultos ou com imposições ideológicas. Há muito trabalho para fazer até haver em Portugal informação e consenso sobre o que foram o nosso fascismo e colonialismo, e os valores que lhes estavam subjacentes. Gritar "fascista!" e tentar impedir as pessoas de dizerem o que pensam ou de serem ouvidas é saltar etapas no processo de nos confrontarmos com o nosso passado.  
 
3. A 5.3.17, a Associação de Estudantes publicou no facebook um comunicado onde dizia que "Na última Reunião Geral de Alunos/as, no dia 2 de Março, foi apresentada e aprovada uma moção que vinculava a DAEFCSH a tudo fazer para que o evento promovido pelo núcleo Nova Portugalidade, "Populismo ou Democracia? O Brexit, Trump e Le Pen", a realizar no dia 7 de Março pelas 18h30, não acontecesse." (...) "Sendo a RGA soberana, a DAEFCSH tentou proceder ao cancelamento da reserva de sala. Na mesma ordem, foram retirados os cartazes de promoção do evento. Cabendo a última decisão à direcção da faculdade, uma vez que a DAEFCSH filtra os pedidos de reservas mas não os concretiza, a reserva prosseguiu por ter sido já dado o consentimento e a devida filtragem. Assumimos a investigação insuficiente que tal evento poderia requerer, contudo, este foi-nos apresentado em moldes de debate interno do núcleo com o convidado sobre populismos de esquerda e de direita, transformando-se posteriormente numa aparente conferência-debate de uma só pessoa nos moldes em que se apresenta actualmente e que levaram a RGA a aprovar a moção acima mencionada.
A AEFCSH emite, abertamente, uma nota de repúdio ao evento e ao cariz ideológico nacionalista e colonialista do núcleo que o promove e que se refere de forma indirecta à descolonização no seu manifesto como "trágico equívoco". Acreditamos que nada é exclusivamente académico, como a descrição deste evento quer dar a entender, e que tentar fazer crer às pessoas que não há substrato político no que está a acontecer é, no mínimo, desonesto. Por sermos, efectivamente, uma universidade onde a liberdade de pensamento e o pensamento crítico são promovidos, não compactuamos com eventos apresentados como debates sob a égide de propaganda ideológica dissimulada de cariz inconstitucional. Não acreditamos que, pela retórica camuflar um conjunto de propostas associadas ao conceito de portugalidade, nos devamos abster perante a emergência de colectivos desta índole. Somos uma AE que foi eleita com um programa sobejamente conhecido e que não se resigna à adopção indiscriminada, por parte deste movimento, da noção de democracia para legitimar a vitimização com fins publicitários após o órgão soberano das e dos estudantes se ter manifestado."

4. Rafael Pinto Borges, um dos alunos da faculdade afetos à Nova Portugalidade, não esteve na RGA, mas garante que recebeu vários avisos, de várias pessoas diferentes, de que estariam a ser planeados ataques à conferência e ao próprio Jaime Nogueira Pinto."Foi-me dito que durante a RGA foram planeadas esperas e violências no evento de amanhã. Foi-me dito que haveria indivíduos próximos do Bloco de Esquerda, ou mesmo militantes do Bloco de Esquerda, à porta, para se dedicarem a ver quem é ou não fascista, uma coisa totalmente descabida e contrária à Constituição e a todas as liberdades.

Informação que me falta: quem corrobora esta informação? É que se trata de uma insinuação muito grave contra o Bloco de Esquerda. E tem de ser esclarecida. Caso contrário, fica a germinar a semente da imagem de "estalinismo no BE". 

5. Francisco Caramelo, o diretor da Faculdade, começou por não aceitar o cancelamento do pedido de uso do espaço, por parte da AE. Alguns dias mais tarde decidiu cancelar o evento, afirmando em entrevista à TSF que: "não fez qualquer pressão sobre nós, não há aqui nenhuma cedência da nossa parte a exigências da Associação de Estudantes. Eu até estou convencido que a decisão não agrada à própria AE. Aquilo que nos fez ponderar sobre esta decisão não teve a ver com essa moção, teve a ver com informações várias que nos chegaram, directas, pessoais, e algumas por e-mails e por telefonemas, e teve a ver com a própria organização do evento nos ter transmitido preocupações também com a segurança do evento".
Francisco Caramelo acrescenta ainda que "para ser rigoroso não posso dizer que as informações que me chegaram visavam directamente o conferencista. Visavam o evento. E visavam poder tornar o evento um circo, digamos assim, um momento em que, em vez de se estar a discutir uma problemática que era séria, se transformava num confronto de posições que não passavam pela Associação de Estudantes. Não era a Associação de Estudantes. Mas não podemos ignorar que havia pessoas a contestar isto."

Portanto, segundo o director da Faculdade, o que levou ao cancelamento do evento não foi a pressão da AE, mas os rumores e a preocupação expressa pelo grupo Nova Portugalidade.
Pergunto: porque é que não chamou a polícia para garantir a segurança do evento, em vez de o cancelar?

6. Na tarde do dia 7.3.2017, a Direcção da Associação de Estudantes publicou um novo comunicado no facebook, onde dizia:

No dia 2 de Março de 2017 foi apresentada, discutida e aprovada, por um grupo de alunas e alunos, em Reunião Geral de Alunos/as, uma moção. Segundo os estatutos, "a RGA é o órgão deliberativo máximo dos estudantes da FCSH" e "as suas decisões são de aplicação imediata e vinculam todos os estudantes e estruturas estudantis da FCSH" (secção II artigo 15º, pontos I e II dos Estatutos da AEFCSH). Deste modo, e tendo em conta que a moção apresentada tinha como objetivo cancelar a reserva da sala para o evento "Populismo ou Democracia: o Brexit, Trump e Le Pen" organizado pelo grupo Nova Portugalidade, a AEFCSH ficou vinculada a fazê-lo. No entanto, apesar da decisão do órgão soberano das e dos estudantes, a decisão final sobre o cancelamento de reservas de sala é da responsabilidade da Direcção da Faculdade. Ao contactarmos a Direcção da FCSH comunicando a decisão da RGA, esta informou-nos de que, dado o contexto da reserva já efectuada, esta não seria cancelada, embora posteriormente a própria Direção tenha cancelado o evento unilateralmente.
A AEFCSH demarca-se em absoluto de qualquer insinuação de “invasão do auditório”, “ataques” ou “ameaças e acções violentas”, alegadas pela comunicação social. Salientamos ainda, com apreensão, que em momento algum até à publicação das próprias notícias publicadas ontem (dia 6 de Março) a AEFCSH foi contactada por qualquer órgão de comunicação social, ainda que todos os restantes intervenientes o tenham sido. Queremos deixar bem claro que esta questão não se prende com um silenciamento de divergências políticas nem com um ataque a qualquer orador convidado, mas sim com um cumprimento estatutário à qual a AEFCSH está vinculada.
Reiteramos contudo, como já referido anteriormente, a nossa posição pública de repúdio às singularidades ideológicas da Nova Portugalidade. Para a AEFCSH as divergências ideológicas e o debate político que elas geram são o fundamento da democracia, pelo que a AEFCSH promoverá sempre estes espaços de discussão, quando plurais e democráticos. Defender a liberdade de expressão que a Democracia nos trouxe passa também por garantir que os seus pilares não são minados, o que a nosso ver é o caso. O nosso programa político defende a liberdade de expressão, reforçamos, e é em concordância com ele que assumimos esta postura. Ademais, a Direção da Faculdade e a AEFCSH convergem na ideia de que a nossa Faculdade sempre foi e sempre será este espaço livre e crítico. Convergem igualmente na partilha da concepção de liberdade de expressão e pensamento. O diálogo entre a Direção e a AEFCSH existe neste assunto específico e será sempre uma prática a continuar.
A AEFCSH não se deixará ser acusada de desrespeitar princípios democráticos, quando a acusação se trata da manipulação e instrumentalização dos mesmos por parte de grupos que os questionam na sua base ideológica.

Cordialmente,
A Direcção da AEFCSH
 
Este segundo comunicado da AE mostra um recuo em relação à primeira posição. Parto do princípio que o debate e o fogo cerrado a que foi sujeita permitiu um amadurecimento da sua posição - que é de reconhecer e aplaudir.

De sublinhar que a Comunicação Social terá feito acusações graves à Direcção da AEFCSH sem a entrevistar para ouvir a sua posição.

Finalmente: penso que seria muito útil para todos aproveitar a onda para, no seguimento dos princípios expressos neste comunicado, a AEFCSH organizar um debate sério com o núcleo de alunos da Nova Portugalidade sobre o que esse grupo defende, para identificar os valores subjacentes e publicar as conclusões.

7. Ao final do dia 7.3.2017, um grupo de cerca de 30 neonazis entra na FCSH, dirige-se à associação de estudantes, nomeia este e aquele dos seus membros e coloca a circular fotos deles na internet. Dos perigosos estudantes vândalos antifascistas, nem sinal. Apenas testemunhos de medo e insegurança por parte de estudantes da faculdade.
Sobre isto, não há qualquer dúvida: polícia, tribunal, penas exemplares.


[ ADENDA - 8.3, 22:38 ]

8. Comunicado da Direcção da Associação de Estudantes da FCHS, 8.3., por volta das nove da noite:

A Direcção da AEFCSH informa:
1. Ontem, Terça-feira, a direcção da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (AEFCSH) da Universidade Nova de Lisboa foi invadida por quatro dezenas de indivíduos afectos à extrema-direita, que se identificaram como tal. Numa atitude claramente intimidatória, exigiram conhecer individualmente alguns dos membros da AEFCSH. A par desta iniciativa, as fotos de alguns dirigentes associativos foram publicadas em redes sociais da extrema-direita, sendo que quarenta pessoas prometeram voltar em maior número às instalações da AEFCSH. Hoje mesmo, o Partido Nacional Renovador, de extrema-direita e retórica neonazi, convocou uma concentração na FCSH para o próximo dia 21.
2. A direcção da AEFCSH reitera que nunca procurou impedir a existência de debate político nem a presença do professor Jaime Nogueira Pinto na faculdade. A direcção da AEFCSH limitou-se a dar seguimento a uma decisão da Reunião Geral de Alunos (RGA) que a mandatou para não ceder o auditório pedido pela organização Nova Portugalidade. Esta organização tem um perfil salazarista e a direcção da AEFCSH revê-se na preocupação estudantil à qual ficou vinculada pela RGA.
3. No seguimento da falta de consenso relativamente à realização do evento entre a comunidade estudantil, o director Francisco Caramelo e a Nova Portugalidade entraram em contacto para esclarecimentos. A Nova Portugalidade fez saber que pretendia trazer o seu próprio aparelho de segurança, materializando os receios de um alegado conflito. De seguida, a conferência foi cancelada pela direcção da faculdade. A direcção da AEFCSH só conheceu esta decisão depois de divulgada na comunicação social.
4. Perante a repercussão pública da decisão do director da FCSH e o que depois se passou, a direcção da AEFCSH reitera que:
-se mantém fiel ao mandato que a elegeu;
-não se deixará intimidar pela presença e ameaças de nenhum grupo de extrema-direita;
-não tem medo do debate livre, que nunca impediu e que continuará a promover na faculdade, assim como os valores democráticos pelos quais se rege.

Cordialmente,
A Direcção da AEFCSH


[ ADENDA 12.03.2017 ]




[ADENDA 14.3.17 ]

Mensagem recebida do director da FCSH da Universidade Nova de Lisboa:

"Caros(as) docentes e investigadores(as),
Caros(as) trabalhadores(as) não docentes,
Caros(as) alunos(as),
Nos últimos dias, observámos e vivemos todos uma sucessão perturbadora de notícias que, fundadas em afirmações erróneas e até mentirosas, repetidamente reproduzidas, constituíram um fortíssimo e torpe ataque à FCSH, e à sua essência, ao seu Director e Direcção e à Universidade Nova de Lisboa.
Dirijo-me a vós, depois de o Conselho de Faculdade e de o Conselho Científico terem demonstrado e expressado a sua solidariedade e apoio ao Director da FCSH. Agradeço penhoradamente essas posições, as quais me trazem ainda mais convicção. Agradeço também as inúmeras mensagens de apoio enviadas por docentes, investigadores, trabalhadores não docentes, alunos e antigos alunos desta casa.
Cumpre-me esclarecer o seguinte:
1. A liberdade de expressão faz parte da identidade genética e da história da FCSH. Nunca esteve em causa nem nunca estará. A Faculdade sempre foi um espaço de liberdade, de pensamento crítico e de livre discussão. A FCSH sempre acolheu e promoveu o debate, levado a cabo por individualidades, políticos e intelectuais, oriundas das mais diversas famílias de opinião. Assim continua e continuará a ser. Estamos vinculados à nossa história de sempre e à nossa essência.
2. Jaime Nogueira Pinto era o conferencista convidado pela Nova Portugalidade, organização exterior à Faculdade, e vinha falar sobre “Populismo ou Democracia? O Brexit, Trump e Le Pen em debate”, temática actual, cujas reflexão e discussão são necessárias. A reserva da sala foi solicitada por um aluno da FCSH, membro da referida organização, à Associação de Estudantes. O Conselho Pedagógico reservou a sala, correspondendo ao pedido de reserva da Associação de Estudantes.
3. Depois disso, observou-se uma intensa crispação e posições políticas antagónicas e extremadas decorrentes da realização da conferência. Na sequência de moção aprovada em RGA, foi solicitado à Direcção da Faculdade o cancelamento da conferência. Apesar disso, a Direcção da Faculdade não aceitou o cancelamento do evento, mantendo a sua realização. Fica assim claro que nunca esteve em causa a liberdade de expressão.
4. Na sequência desta posição, a Direcção da Faculdade começou a receber sucessivas informações e indicações relativas a possíveis confrontos e insegurança à volta da conferência.
5. A Nova Portugalidade, em contactos telefónicos com a Faculdade, no dia 6 de Março, exigiu a presença da Polícia antes e durante a conferência. Isso era inaceitável. Não só não faz parte da cultura da nossa instituição como não seria um contexto digno de discussão de uma temática que deveria ser debatida serenamente. Aquela organização anunciou então que traria dez homens, que estariam na sala durante a conferência, e que garantiriam a segurança do evento.
6. A Direcção da Faculdade não poderia pactuar com essas exigências. A probabilidade de violência era muito elevada e o perigo considerável.
7. Contactei pessoalmente, nesse mesmo dia, Jaime Nogueira Pinto, a quem disse não existirem condições de segurança para se realizar a conferência no ambiente sereno e normal que o conferencista e a temática da conferência deviam naturalmente implicar.
8. Durante a mesma conversa ao telefone, convidei Jaime Nogueira Pinto a voltar à FCSH para proferir a sua conferência. Jaime Nogueira Pinto, ele próprio, confirma esse meu convite nas suas primeiras declarações ao Observador, ainda no dia 6 de Março. Nunca se tratou de uma anulação definitiva da sua conferência. Tratou-se de adiar a conferência para uma data próxima em que a mesma pudesse ter lugar em ambiente sereno. Nunca se tratou de ceder a quem quer que fosse, nem de limitar a liberdade de expressão. Como seria isso plausível numa instituição como a FCSH, bastião da liberdade de pensamento e de livre discussão com quase quarenta anos de idade? Como seria isso possível numa instituição fundada por intelectuais e académicos que sempre pugnaram pela diversidade de opinião, pelo pensamento crítico e pelo debate em liberdade? Eu, como vários dos que ensinamos e investigamos hoje nesta casa, sou o produto dessa cultura que constitui o material genético da FCSH.
9. A decisão de adiar a conferência foi um acto pensado e debatido colectivamente pela Direcção da Faculdade, que eu assumo, no entanto, pessoalmente. Pensámos na FCSH, pensámos nos nossos alunos, pensámos na segurança dos nossos alunos, pensámos na liberdade académica e recusámos uma liberdade condicionada. Garantimos a liberdade de expressão, resgatando-a de uma envolvência de perigo e da probabilidade de violência.
10. Hoje, tomaria, em consciência, a mesma decisão. Ainda com mais convicção depois dos acontecimentos que se tornaram públicos nos últimos dias, nomeadamente a entrada de dezenas de pessoas, identificadas como pertencentes à extrema-direita, com atitudes intimidatórias sobre os nossos alunos, e a concentração promovida pelo PNR, prevista para a entrada da FCSH, com o propósito de reivindicar a “liberdade de pensamento, opinião e expressão”.
11. Jaime Nogueira Pinto, com quem reuni na passada sexta-feira de manhã, foi convidado a vir à FCSH proferir uma conferência. Aceitou o convite e a conferência será marcada em função das disponibilidades do conferencista.
12. A FCSH continuará a ser o que tem sido nos últimos quase quarenta anos. Um bastião das liberdades académicas e intelectuais, do pensamento e do debate. Desiludam-se todos aqueles que pensaram que nos poderíamos desviar desse caminho, traçado pelos nossos fundadores. Enquanto Director da FCSH, aqui estarei e aqui continuarei, procurando, ao lado de todos vós e em nome de todos vós, ser sempre o garante dessas liberdades.
Saudações académicas,
Francisco Caramelo
Diretor da FCSH/NOVA

6 comentários:

Júlio de Matos disse...


Uma pergunta inocente: seria possível realizar, numa Universidade Pública alemã, sem o mínimo de polémica, uma Conferência organizada por um grupo de Alunos, integrantes de um movimento intitulado "Novo Germanismo", versando sobre a Ordem Teutónica, a Batalha de Tanemberga, o Tratado de Versalhes, o III Império alemão, a União com a Áustria, a resistência ocidental e cristã ao Bolchevismo estalinista e a identificação cultural entre a Alemanha, a Pomerânia, a Silésia, a Prússia Oriental, a Curlândia, os Sudetas e a Região do Volga? Com um conferencista educado, bem-falante, supostamente erudito e confesso admirador da grande Música (Wagner, Orff, Fürtwängler...) e também do antigo Chanceler alemão, Adolfo Hitler?

Se sim, pois ainda bem...

Helena Araújo disse...

Claro que não. Porque a Alemanha fez o trabalho de casa. Acabava logo no "novo germanismo", nem iam querer ler o resto.
Portugal não fez o trabalho de casa. A maior parte dos portugueses ainda pensa que éramos uns colonizadores amorosos, que demos novos mundos ao mundo, que levámos o progresso e a riqueza a todas as regiões que tocámos. Ainda agora viste o trabalho que há por fazer, quando o Mário Soares morreu e tanta gente celebrou a morte do traidor que entregou as colónias.

Enquanto o trabalho de confronto com a História e os valores não for feito, não podes mandar as pessoas calar, porque não tens base para isso.
E o trabalho faz-se justamente a confrontar patetas como os da Nova Portugalidade com aquilo que dizem, e a publicar os resultados do debate.

Júlio de Matos disse...


Ah, pois! "Acabava logo no «Novo Germanismo», nem iam querer ler o resto", estás a ver?

Mas então, outra pergunta inocente: antes de fazer o seu "trabalho de casa" (aí algures pelos anos cinquenta, talvez?), já teria sido possível, numa Universidade da ex-R. F. A., fazer uma Conferência destas? Confrontando justamente os "patetas" duma eventual ODESSA («Organization der Ehemaligen SS-Angehörigen», ou outros...) com aquilo que, serenamente, diriam e publicando os resultados do "debate"?

Achas, mesmo, que nesses tempos "pré-trabalho de casa" os alemães não podiam "mandar calar" essas pessoas, porque não tinham "base" para isso? Isso aconteceu assim??!

Helena Araújo disse...

Aconteceu de outra maneira. Como deves saber ;) os alemães perderam a guerra, os aliados ocuparam o país, fizeram os julgamentos de Nuremberga, a "desnazificação" (muito mal feita, aliás). Na RDA houve muita gente que foi parar a campos de concentração sem sequer saber porquê (mas a RDA não fez o trabalho de casa, e parte dos resultados estão hoje à vista). Durante décadas, os nazis bateram a bolinha baixa. Nos anos sessenta surgiu uma nova fase na qual se começou a falar abertamente da História. Tiveste o Willy Brandt ajoelhado no gueto de Varsóvia, por exemplo. E nos anos oitenta, o presidente da República chamou "libertação" à derrota alemã.
Tens também os milhentos memoriais: os museus (tudo o que tem a ver com os crimes nazis é gratuito), os campos de concentração, as placas das marchas da morte, as placas com os nomes das vítimas em frente às suas casas, o memorial do holocausto, o da perseguição aos ciganos, o da perseguição aos homossexuais, etc.
E tens um sistema de ensino que matraqueia os alunos desde a escola primária para lhes incutir a ideia da responsabilidade histórica dos alemães.
Ficou muito cedo claro o que são áreas no-go no debate público. O negacionismo do Holocausto, a exibição de símbolos nazis, a defesa de ideias que vão beber à ideologia nazi.
E de cada vez que alguém tenta chegar perto desses limites há um debate público muito intenso.
Estou a lembrar-me por exemplo do Historiker Streit, nos anos 80, sobre a maneira adequada de enquadrar o Holocausto e os crimes nazis.
Foi um debate ferrenho que durou mais de um ano.
https://en.wikipedia.org/wiki/Historikerstreit

Júlio de Matos disse...

Ora bem. Talvez o facto de ter ficado claro, logo muito cedo, aquilo que não deve debater-se no espaço público alemão tenha contribuído, decisivamente, para esse tal "trabalho de casa".

E se o queremos fazer também em Portugal, então não vejo em que possa ser útil encorajar precisamente o contrário daquilo que, desde logo muito cedo, aconteceu na Alemanha.

E que, em Portugal, já está a ficar para tão tarde...

Helena Araújo disse...

O trabalho de casa foi identificar o que não pode sequer chegar a ser objecto de debate. Concretamente: não se pode negar o Holocausto, não se pode dizer que Hitler foi vítima do seu contexto histórico (aquilo do Estaline e assim), não se pode fazer lavagem da História.

Penso que Portugal não se confrontou com a sua História. Ainda há muita gente cheia de saudades do Salazar, cheia de saudades das colónias e do tempo em que éramos tão grandes que o sol nunca se punha sobre o império. É preciso esclarecer todos esses mitos que o Estado Novo criou, e identificar os valores subjacentes. Enquanto não for feito, ficamos como estamos: parece que qualquer opinião é válida e tem o mesmo valor das outras. Como se fosse pura questão de gostar e de achar.

Para isso é fundamental fazer debates. Mas é debates a sério, com o objectivo de publicar conclusões e de informar a opinião pública, não é aceitar monólogos organizados por grupos salazarentos.