31 agosto 2017

apontamentos de San Francisco (3)

Passeei com a minha amiga pelas ruas da vizinhança. Ela contava-me do tempo em que neste bairro viviam pessoas de todos os países, etnias, culturas e níveis sociais. Por exemplo: a sala dela, onde jantamos todos os dias, era o espaço de "children breakfast" dos Black Panther. Na rua, apontava-me as casas uma a uma. Esta é a última família filipina do bairro. Naquela casa vivia uma família de african americans - uma mulher com uma ranchada de filhos, netos ebisnetos com todo o tipo de percursos e histórias pessoais; estava a cuidar de um dos bisnetos, e quando morreu venderam a casa, esta casinha, por dois milhões. Esta aqui foi ocupada por mulheres negras. Aquela estava em péssimo estado, mas um casal gay está agora a transformá-la numa pequena jóia, como se vê. E mais uma casa em obras, que foi vendida por 2,4 milhões antes do restauro - sei lá por quanto a venderão depois de muito bem arranjada.
Tudo naquelas casas é impecável. Perfeito. Suspeito que os proprietários contratam jardineiros até para cuidar dos vasos que têm à janela.

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Programa para o dia: fazer peixinhos da horta para o pot luck do grupo que vai reunir esta noite para combinar o acampamento em Salt Point este fim-de-semana.
Disse aos meus amigos que ia fazer a receita original de tempura, aquela que levámos para o Japão e os japoneses no roubaram, roubam-nos tudo, somos uns desgraçados, disse eu. E falei do "castela", o nosso pão-de-ló que os japoneses vendem com nome de espanhol. Duas vezes roubados!, rematei.
O meu amigo riu-se. Estudou História em Harvard, sabe interpretar as minhas piadas.

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Fui ao Haight Street Market comprar ovos e feijão verde. Dantes, o Haight Street Market era a loja de uma família grega que vendia frutas e legumes baratos e de qualidade às vezes bastante questionável. Quando se começou a falar na instalação de um Whole Foods ao fundo da rua, eles alugaram a loja do lado, transformaram a loja num pequeno supermercado moderno, agradável, com muitos produtos biológicos e um dely. O pessoal da vizinhança vai ao Haight Street Market, os de fora vão ao Whole Foods. Fui ao mercado da vizinhança comprar coisas para os peixinhos da horta. Na secção dos ovos tinha um cartaz a anunciar ovos de Petaluma, com as galinhas à solta na paisagem, dizendo que comiam as suas comidas favoritas (ervas, sementes e insectos) e os galinheiros eram móveis, para poderem ser levados atrás delas. Lembrei-me logo da minha avó, que fechava as flores cuidadosamente atrás de uma sebe de rede fina, e deixava as galinhas à solta no quintal. Uma dúzia de ovos das galinhas de Petaluma custava 9 dólares. Que é que a minha avó fez errado, que se queixava sempre que o dinheiro não chegava?
Deixei os ovos de 9 dólares para os donos de casas de 2 milhões, e comprei os ovos mais baratos, quer dizer, os menos caros: 4 dólares. De galinhas sem gaiolas, sem hormonas, sem antibióticos, sem estimulantes, e com liberdade para voar. Ao menos isso.

Estou a pensar arranjar meia dúzia de galinhas para ter no meu jardim em Berlim.


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