19 setembro 2017

terra das maravilhas (1)


(foto)


O Spiegel contava há tempos que a "Wunderland"("terra das maravilhas", uma sala em Hamburgo com uma colecção absolutamente extraordinária de comboios e paisagens em miniatura) resolveu abrir as suas portas durante alguns dias do mês de Janeiro às pessoas sem possibilidade de pagar um bilhete. A ideia era muito simples: na bilheteira, se as pessoas dissessem que não podiam pagar o preço, deixavam-nas entrar sem pagar.

Alguém, irritado por ter visto lá refugiados, enviou uma carta ao gerente da casa dizendo que costumava visitar a Wunderland, mas que ia deixar de o fazer, uma vez que não concorda com a política da Merkel de deixar entrar no país refugiados económicos, nem com a decisão de deixar estes refugiados económicos entrar de graça naquela sala, obrigando quem paga o bilhete a suportar também os custos dos outros. Terminava com "desejo-lhe dias sem bombas".

Os dois irmãos que gerem aquele espaço, Gerrit e Frederik Braun, contaram que a primeira reacção foi pensar que se tratava de uma brincadeira. Telefonaram ao remetente, dizendo que tinham lido a carta e que estavam sem saber se era para rir ou para chorar. Resposta: Aqui só nos dá vontade de chorar, quando vemos fotografias de estrangeiros na "terra das maravilhas".

A frase "desejo-lhe dias sem bombas" foi interpretada como uma ameaça para que deixassem de receber refugiados. Leio de outra maneira: tal como simpáticos comentadores do Observador me dizem que a próxima a ser violada pelos refugiados havia de ser eu, o autor da carta teme (ou deseja o castigo?) que a sua "terra das maravilhas" seja alvo de um atentado terrorista.

Como é habitual naquela empresa, quando se tem de tomar decisões importantes, o gerente foi falar com os funcionários sobre essa hipótese de chantagem e a reacção adequada. Ao contrário do costume, desta vez houve unanimidade na resposta: os 25 funcionários com quem conversou foram todos de opinião que era preciso tornar aquela carta pública. A Wunderland publicou a carta no facebook, com este texto:

Basta! Por favor, partilhem e peçam que outros também partilhem, para que todas as pessoas de bem que até agora se têm limitado a observar nos ajudem a fazer ouvir a nossa voz.
Trata-se da nossa iniciativa em Janeiro "não posso pagar", que deixou entrar 18.000 pessoas na Wunderland. Era dirigida a TODOS os que não têm  possibilidades económicas. 25% dos visitantes eram refugiados. A iniciativa baseava-se em confiança, e correu muito bem. Sentimos a felicidade e a alegria das pessoas! Infelizmente, no meio das inúmeras cartas de agradecimento, também recebemos mensagens como a desta fotografia.
Onde é que vamos parar, se uma iniciativa como a nossa leva a que algumas pessoas movidas pelo medo nos escrevam estas mensagens de ódio? O problema da nossa época virtual é que as mensagens de conteúdo negativo se espalham rapidamente, e as respostas positivas não têm o mesmo impacto, o que permite criar ideias completamente erradas.
Que sejamos capazes de, em conjunto, tomar partido por um mundo que ponha o humanismo em primeiro lugar. 



Na entrevista, os irmãos falaram ainda sobre o risco de confiar nas pessoas e a felicidade que sentiram ao ver que não foram enganados. Apesar de terem tido mais 18.000 visitas que o habitual naquele mês, as receitas no bar e na loja não aumentaram - o que significa que aqueles pais que entraram sem pagar bilhete não tinham sequer dinheiro para pagar uma bebida ou uma pequena recordação para os seus filhos.
Conta um dos irmãos: "Assistimos a cenas encantadoras. Crianças a chorar de felicidade, pais a chorar. O único desejo de um rapazinho para o Natal era uma visita à Wunderland, e os pais não lho podiam dar. Agora estavam ali os três, e os pais choravam. Também me vieram lágrimas aos olhos. Era capaz de pagar para ter momentos como este."
E acrescentam: "Nós não perdemos dinheiro por deixar entrar quem não pode pagar. Os custos são os mesmos. Todas as empresas semelhantes a nós - jardins zoológicos, museus, etc. - podem fazer o mesmo. Não têm nada a perder, só têm a ganhar. E o mais importante é que nestes tempos em que tantos sentem desconfiança e medo, uma iniciativa como esta mostra que é possível confiar nas pessoas e ser recompensado por isso. Por isso mesmo é que esta carta nos chocou tanto."


1 comentário:

Paulo Topa disse...

E lá vai um Momento de Natal do dia....